A presença feminina nas agências de publicidade é um caminho para que as mulheres ganhem relevância e representatividade em um mercado que ainda tem mais homens em cargos de liderança
As mulheres têm conquistado cada vez mais espaço e obtido sucesso em diversas áreas profissionais, embora ainda existam muitos desafios a serem superados. Uma pesquisa recente do IBGE apontou que, nos últimos 8 anos, a participação feminina no mercado de trabalho aumentou 2,9%, mas sua remuneração permanece 22% menor que a dos homens, chegando a até 38% em cargos gerenciais. Além disso, no meio corporativo, apenas 13% das cadeiras de liderança são ocupadas por mulheres. Se a sociedade não é refletida dentro do ambiente de trabalho e nos processos decisórios das organizações, todos saem perdendo.
Trabalhando ativamente para que essa realidade se torne mais inclusiva, empresas e profissionais têm assumido a responsabilidade de transformar o cenário no que diz respeito à força de trabalho feminina, principalmente no segmento da comunicação. Uma das formas de celebrar algumas das empreendedoras que mais se destacaram e fizeram a diferença neste último ano foi o Women To Watch, evento que contou com o apoio da Vati e que foi transmitido recentemente pelos canais digitais do Meio & Mensagem.
Apesar de iniciativas como essa, a questão que permanece é: por que alguns setores, em especial o mercado publicitário, ainda são considerados territórios masculinos? Um pouco desse “atraso” se deve à mentalidade dos gestores e à cultura dominante na publicidade, já que as hierarquias de muitas agências se espelham em tempos nos quais apenas os homens eram considerados para os papéis de alta liderança, em uma distribuição de poder que, em pleno 2021, ainda remete ao contexto do seriado Mad Men (que se passa nos anos 1960).
No Brasil, de acordo com pesquisa do Propmark, ainda que as mulheres representem quase metade da força de trabalho do mercado publicitário (46%), os números indicam que 44% das profissionais conseguem chegar a posições de liderança, mas somente 37% em cargos executivos ou de vice-presidência. Já na presidência de empresas, o percentual é de apenas 10%. Na área de criação, uma preocupante porcentagem de 25% dos cargos é ocupada por mulheres, com 75% da chefia sendo masculina. Adicionando o critério racial, o contexto se torna ainda mais desigual: somente 4,3% das afrodescendentes lideram alguma área. Ainda assim, é preciso ressaltar que a participação feminina tem aumentado gradualmente no mercado publicitário, mesmo que de forma lenta, já que em 2015, segundo um levantamento do Meio & Mensagem, as mulheres compunham menos de 20% dos departamentos criativos das maiores agências do Brasil.
Além de serem minoria, as profissionais do sexo feminino são mais propensas a enfrentar de forma frequente situações constrangedoras e desagradáveis no ambiente de trabalho. Nos Estados Unidos, um estudo da Conference apontou que 25% das mulheres que trabalham no mercado publicitário norte-americano já sofreram discriminação de gênero e 23% relatam já terem vivenciado ou testemunhado assédio sexual.
Mesmo as mulheres que nunca tiveram experiências diretamente discriminatórias relatam sentir alguma necessidade de agir de modo mais “masculino” ou participar de atividades sociais e eventos esportivos com seus colegas homens, principalmente se forem a única mulher do grupo, para se sentirem parte do time. Há também profissionais que preferem não demonstrar suas emoções no ambiente de trabalho, para que não sejam chamadas de loucas ou emocionalmente instáveis – já que atitudes mais agressivas ou impetuosas são melhor vistas quando partem de homens – ou para que não sejam encarregadas somente de produtos considerados “femininos”.
O desequilíbrio numérico e hierárquico nas agências acaba se refletindo no conteúdo dos anúncios produzidos pelo mercado publicitário. Campanhas sexistas, com uma perspectiva estritamente masculina e retratando estereótipos de gênero (como as mulheres realizando serviços domésticos e cuidando dos filhos, enquanto os homens são mostrados bebendo cerveja e dirigindo carros superpotentes), em geral são fruto de equipes sem muita diversidade, nas quais as vozes femininas são pouco ouvidas ou ignoradas. Isso se reflete também nas premiações: foi apenas em 2004 que o Festival de Cannes, um dos mais relevantes eventos do mercado publicitário global, comprometeu-se a ter em seu júri pelo menos 25% de mulheres, depois de décadas com uma maioria absoluta masculina.
É importante observar ainda que, de acordo com uma pesquisa da HuffPost Brasil, as mulheres são responsáveis por mais de 80% das compras nos lares brasileiros, em setores como alimentação, vestuário, bem-estar, serviços e educação. Elas também tendem a agir como grandes influenciadoras nos hábitos de consumo de familiares e amigos. No contexto atual, em que os consumidores – e, sobretudo, as consumidoras – têm cada vez mais acesso à informação e à desconstrução de antigos padrões de comportamento, anúncios com mensagens machistas podem gerar polêmica nas redes sociais e feedback negativo para as marcas. Ilustrando esse ponto, um estudo da consultoria de comunicação 65/10 constatou que 65% do público feminino não se identifica com a maneira como as mulheres são retratadas na publicidade, nos dias de hoje.
Um dos argumentos de empresas do setor, no que diz respeito à falta de ações para incluir lideranças mais diversas e responsabilizar quem promove tratamentos desiguais no ambiente de trabalho, está no fato de que frequentemente a discriminação contra as mulheres é sutil ou velada. Além disso, inúmeras profissionais preferem não reportar situações de abuso para não se exporem. Em uma indústria na qual é essencial manter bons relacionamentos – com colegas, parceiros ou clientes – é compreensível a razão pela qual elas preferem permanecer em silêncio.
O fato indiscutível é que ampliar a diversidade de gênero nas agências de publicidade tende a gerar anúncios mais representativos, cujas narrativas repercutem de forma abrangente, autêntica e efetiva, gerando melhores resultados. Afinal, o público feminino representa pelo menos metade do mercado consumidor e a publicidade pode ser um catalisador para a mudança de percepção das pessoas sobre a igualdade de gênero. Além disso, campanhas publicitárias são produtos culturais que devem estar alinhados aos avanços de seu tempo. Para um setor que deveria se posicionar na vanguarda da comunicação e da inclusão, essa ainda é uma realidade no mínimo contraditória.