O jornalista Luiz Alexandre Souza Ventura, do Blog Vencer Limites, fala sobre a necessidade de desenvolver comunicações digitais mais acessíveis e inclusivas
Em seu dia a dia, pessoas com deficiências se deparam com diversas barreiras. Há obstáculos não apenas no que diz respeito à circulação em espaços públicos e meios de transporte como também dificuldades comunicacionais, que atrapalham ou impedem tanto a livre expressão desses indivíduos quanto o recebimento de mensagens por eles através dos meios de comunicação – sejam eles digitais ou não.
Nesse sentido, a acessibilidade se coloca como conceito indispensável para pensar em comunicações, inclusive campanhas e estratégias de marketing que realmente sejam capazes de impactar todos os tipos de pessoas. O próprio termo se refere a algo que seja acessível, isto é, que possa ser usado por qualquer um. Cada vez mais, legislações estão sendo criadas para garantir que a acessibilidade se torne presente, principalmente no universo digital – um ambiente que pretende ser amplo e democratizante. Por isso, compreender a necessidade de desenvolver materiais acessíveis também é responsabilidade de criadores, comunicadores e designers.
De acordo com Luiz Alexandre Souza Ventura, do Blog Vencer Limites, do Estadão, a tecnologia ajudou a trazer mais acessibilidade às pessoas com deficiência, quando comparamos as ferramentas de que dispomos atualmente com as que estavam disponíveis antes dos smartphones e tablets se tornarem peças habituais em nossas vidas. “Mas o avanço tecnológico, nesse sentido, ainda é lento, e muitas ferramentas de acessibilidade demoram para chegar em um nível que possa realmente ser chamado de inclusivo”, afirma o jornalista. “É fato que o acesso à internet e a evolução dos equipamentos eliminaram muitas barreiras, do ponto de vista tecnológico. Ainda assim, o desconhecimento a respeito da acessibilidade, principalmente digital, é um bloqueio constante.”
Acessibilidade versus usabilidade
Muitas pessoas acabam confundindo acessibilidade com usabilidade, já que ambos os termos são parte vital da experiência do usuário na internet; contudo, há distinções. A usabilidade questiona se o design é eficiente e satisfatório de se usar. Teoricamente, uma comunicação digital com boa usabilidade incluiria acessibilidade, já que um produto inacessível não pode ser utilizado por pessoas com certas deficiências. Mas, na prática, esse não tende a ser o foco.
Já a acessibilidade tem a preocupação de permitir o acesso a determinado conteúdo por todas as tipologias de seres humanos, com foco nas pessoas com deficiências, para garantir que esses usuários tenham experiências equivalentes a todas as outras – ou seja, que o processo comunicacional possa acontecer de forma completa, sem que haja prejuízo na informação transmitida.
Comunicar de forma acessível não somente é a coisa certa a se fazer, mas costuma trazer benefícios a todos os usuários. Por exemplo, legendas em vídeos, que auxiliam pessoas com problemas auditivos, também podem ser úteis para alguém que esteja assistindo sem som (em seu feed nas redes sociais) ou para pessoas que estejam aprendendo aquele idioma. Textos legíveis e com alto contraste, por sua vez, não servem somente a pessoas com imparidades visuais, mas podem ajudar outros com visão perfeita em situações de visualização de um app, no celular, em um ambiente externo e muito iluminado.
Os exemplos são inúmeros. A questão principal é que, quando se pensa no design e na comunicação para diversos níveis de habilidade, é totalmente possível criar produtos e serviços que todas as pessoas sejam capazes de utilizar e apreciar. De acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 15% da população mundial tem algum tipo de deficiência – auditiva, física, intelectual, mental e visual. Empresas e marcas que ignoram ou negligenciam essa parte enorme da população estão perdendo grandes oportunidades de se posicionar na vanguarda do marketing, que cada vez mais precisa se mostrar abrangente, diverso e representativo.
Criando uma comunicação acessível
Para desenvolver um conteúdo acessível e inclusivo, especialmente no ambiente digital, é preciso considerar todos os possíveis obstáculos ou problemas de acessibilidade que os usuários possam ter.
As limitações mais comuns, no que diz respeito ao uso de conteúdo on-line, são deficiências visual, motora ou auditiva, convulsões (por exemplo, pessoas fotossensíveis com epilepsia), além de dificuldades cognitivas ou de aprendizado. Outras barreiras podem ser incidentais (como a falta de sono e, consequentemente, de concentração) ou ambientais (como a utilização de um dispositivo móvel no metrô, por exemplo).
A ideia é considerar a maior variedade possível de usuários, de modo que todos possam ter o mesmo acesso aos conteúdos. Nesse contexto, o World Wide Web Consortium (W3C) estipulou algumas diretrizes para tornar o ambiente digital acessível a pessoas com as mais diversas deficiências. Alguns dos pontos incluem:
- Utilize sistemas de gestão de conteúdo (CMS) que suportem padrões de acessibilidade.
- Aprimore a visibilidade de seu site, utilizando uma seleção cuidadosa de cores e alto contraste, além de fontes em tamanho grande/legível.
- Tenha uma estratégia para inserção de links (por exemplo, descreva o link antes de inseri-lo ou coloque-o em destaque para que possa ser facilmente percebido).
- Use tags descritivas (alt tags) para imagens digitais. Isso possibilitará que o usuário saiba a informação que a imagem contém, mesmo se não puder visualizá-la.
- Faça referência a formas para guiar os usuários (por exemplo: “clique no botão retangular”).
- Ofereça transcrições para recursos de áudio e legendas para vídeos.
- Crie conteúdos facilmente compreensíveis – uma linguagem simples e direta alcança mais pessoas, assim como hierarquias consistentes de informações apresentadas de forma progressiva.
- Se possível, inclua em sua equipe pessoas com deficiência. Também é importante que os recursos de acessibilidade sejam testados por usuários que tenham essas dificuldades. “Pessoas com deficiência têm que participar de tudo, inclusive das ações de conscientização. Essa é a única forma de melhorar a acessibilidade. Um projeto não é acessível e inclusivo se não for validado por pessoas com deficiência”, salienta Luiz Alexandre.
Para o jornalista, regras e legislações são importantes, mas transformações reais exigem também mudanças de percepção e de mentalidade. “Além das regras estabelecidas pelo W3C Brasil, é na concepção que tudo pode mudar. Já é de conhecimento comum que a acessibilidade digital tem de ser parte do projeto desde a primeira ideia, algo inerente, mas ainda é um tema tratado como secundário e até como um favor, uma benevolência”, observa Luiz Alexandre. “Outro ponto é levar essa disciplina às faculdades, para que os novos profissionais cheguem ao mercado com uma visão mais atualizada e abrangente.”
Desenvolver comunicações e campanhas publicitárias mais acessíveis pode não parecer uma prioridade para muitas empresas, mas pode trazer excelentes resultados, abrindo oportunidades para impactar uma quantidade maior de usuários (nos mais diversos dispositivos e ambientes), além de ser uma atitude vista de forma extremamente positiva por grande parte da sociedade.
“Comunicação e marketing, de maneira geral, mal sabem o que é uma pessoa com deficiência. E quando são criadas campanhas ou ações, as pessoas com deficiência raramente participam dessa construção, o que acaba propagando um discurso ultrapassado de superação e fortalecendo a observação estigmatizada, estereotipada e capacitista das pessoas com deficiência”, ressalta Luiz Alexandre. “O maior desafio é vencer a invisibilidade.”